terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Pensar: dez minutos

Estava atrasado. Dez minutos!
Eu esperava-o atentamente, sem qualquer rasgo de sentimentos que me pudessem conceder um rosto mais vivo. Limitava-me a fixar os carris. Apenas desejava que os próximos dez minutos fossem os mais rápidos da minha vida, pois esperar é para pessoas pacientes, não para a alma na flor da idade que se encontra desesperada na estação, por se enfiar na primeira carruagem que lhe aparecer na frente. E muito menos para quem anseia chegar ao destino e cair nos braços da nona ou décima cara-metade do seu vigésimo ano de existência.
Acordei com os pés fora da cama, se é que o posso dizer assim. A mesma má disposição que me subjuga todos os dias à mesma rotina. Já estou habituado a sê-lo, é um ponto registado na minha pele, na minha amarga e seca pele. E eu sei melhor que ninguém como ela é. E nada faço para a emendar. No fundo, sei que não existe um espírito capaz de não ser assim. Talvez devido ao nico de inconsciência, a que eu gostaria de apelidar inocência, que nos submete ao modo mais consciente de lidar com o desagradável. Sim, o nosso carácter outrora insubmisso, o querermos fazer aquilo que realmente amamos. Aquilo que foi apagado dos brilhantes juízos, devido à sua brilhante evolução. Gostar já não basta, é necessário aprender a gostar. E, de cada vez que medito nisto, um fervor em mim segreda-me que devo respirar essa inconsciência inocente, própria do ser humano justo consigo próprio. No entanto, apenas se me quedo por aqui, pensar, tal e qual todos o fazem. Já não se vive da acção desejada, sobrevive-se com o desejo da acção.
Lembro-me quando tinha cinco anos. Adorava abordar qualquer pessoa, exprimir um olá, não por uma questão de afirmação da idade, mas por socialização. Costumava fazê-lo, até ao dia em que a minha mãe me ouviu cumprimentar uma rua empestada de pessoas e, quando chegou a casa, discursou-me algo tão pouco puro para a minha idade, tão carregado de sentimentos a fervilhar confusão, que desatei a chorar sem atingir patavina do seu sermão. Hoje, compreendo-a. Fui dos que teve a felicidade de chegar aos vinte anos em casa dos meus santos progenitores, sem que qualquer perturbação por parte de pessoas incómodas que nos atarantassem a puta vida. Oxalá essa gente não existisse para eu poder considerar a atitude da minha mãe ruim! Queria ter falado com todos, sem que todos fossem pessoas estranhas. Queria espalhar cada palavra que teve de ser afogada no momento em que precisava de ser expulsa. Eu entendo-te mãe, não te preocupes. Só não entendo o resto da humanidade.
Continuo a detestar isolar-me do mundo, mas por hábito prepotente, faço-o. As pessoas aprenderam a pôr de lado, não só o mau, como o que desconhecem. Reparo com toda a clareza nisso naquela pequena povoação de chineses, mesmo lá ao lado da minha casa. Todos ignoram a sua cultura, portanto, são considerados devassos. Mas eu penso que digo bons dias inconscientemente a todos eles. Contudo, penso, não o faço. Gostava de saber não olhar de lado, mas a verdade é que não consigo. E quem consegue, é porque se encontra na linha do outro extremo, continuando igualmente na onda de desrespeito. Em vez de vivermos segundo uma relação cultural, sobrevivemos a construir o muro que nos separa da guerra, quando não subsistimos desta mesma.
Raios! O que a afluência à má influência provoca no ser humano. Agarrar a maior futilidade possível no menor tempo, porque tempo é dinheiro! Criar a maior barreira de individualização, de forma a não haver qualquer partilha, desconfiando que todo o resto do mundo é oportunista. E, depois de pensar isso, ser oportunista.
No momento em que desperto do meu pesado pensar, passa por mim uma senhora que, distraída e preocupada com a correria do filho, deixa cair a nota nos carris. Dá-me jeito. Vou apanhá-la, mas sou apanhado de surpresa pela investida da máquina que vem já de longe a gritar hipocrisia, mas que só agora entendi. O que aconteceu? Pereci daquilo que menos me falta.

Novembro, 2005

6 comentários:

  1. ainda dizes que nao escreves nada de mais e que nng tem paciencia para ler algo que flui tao rapidamente pelos olhos.

    eu sou alguem e dez minutos sao tempo de mais para pensar. @

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  2. deambular num pensamento que nao nos pertence, vidas que nao vivemos, mas que se sentem.

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  3. Gostei! Pensei! Embora dez minutos......

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  4. Descobertas da infância... a sempre infância.

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